quinta-feira, 16 de julho de 2020

Diz que... Foi tempo de mudança #4

O que veio a seguir foram dias de espera que não pareciam ter fim.
Os médicos não queriam fazer a raspagem do útero por se tratar de uma primeira gravidez e porque poderia afectar as próximas.
Então eu também não queria.
Foram os dias mais difíceis da minha vida, esperar que saísses naturalmente.
Quando digo naturalmente, é mesmo de forma natural, como qualquer parto.
A diferença é que tinhas um tamanho muito mais pequeno em relação a bebés de 8 ou 9 meses, mas a maneira como saem é igual, só muda mesmo o tamanho.
Seguiram-se quase duas semanas em que esperei qualquer sinal..
Lentamente os enjoos desapareceram, as dores mamárias desapareceram, o que antes era fome e desejo de comer, desapareceu.
Consultas de reavaliação.. Já se estava a tornar insuportável ter de voltar ao hospital, percorrer o corredor, ter de ficar junto das outras mamãs.
Como é que é possível?.. Arranjem um argumento plausível e que justifique todos estes acontecimentos. É que chega a um ponto em que a cabeça não pára, por muito que tentasse descansar, sempre vinha tudo à cabeça de forma involuntária e sem poder controlar qualquer pensamento.
Finalmente, ao fim de quase duas semanas, algo começa realmente a acontecer. Seguem-se as primeiras perdas e 3 dias depois uma espécie de parto, sem aviso de que iria ser mesmo dessa forma.
Nada nem ninguém me avisou do que ia sentir, das dores, do sentimento, da sensação de vazio, da impotência, da derrota.
No fundo é uma derrota, mesmo antes de sair o nosso pequeno peixinho.
O pensamento mudou por completo face às dores físicas que sentia e às recomendações do médico "não pode tomar Brufen porque dificulta! Só paracetamol!". Só paracetamol, recordava-me então.. Mas não vai fazer nada, tal como não faz todos os meses com as outras dores, que sequer se comparam ao que estava a sentir.. 
"O que é que eu faço?"
Dei por mim a contar espaços entre aquilo que julguei serem contracções - e que o eram de facto - o cansaço de aguentar com as dores já era de tal forma que ia adormecendo e acordando, enquanto elas iam e vinham.
Contei.
Era de 7 em 7 minutos, o espaçamento começou a diminuir, ao ponto de já não conseguir adormecer e de estar sentada, a bater com os pés no chão e a pensar "porquê?"
No instante em que a dor desaparecia, era o tempo que tinha para respirar e descansar. Já não sei ao certo quanto chorei, a dor física e a dor psicológica eram de tal forma elevadas que eu já não consegui discernir o motivo do choro.
E lá voltava.
Mais uma.
Tudo outra vez.
Porquê?
Será que é assim que os outros bebés nascem? Os bebés a sério, porque aos olhos de muitos, o meu, talvez, não o fosse.
Dei à luz uma placenta, sem saber. Havia a possibilidade de o meu organismo absorver o que restasse. Ou talvez não, porque o médico disse que já eras um bocadinho grande..
24 horas depois, tudo de novo..
Pensei seriamente se era capaz de aguentar as mesmas dores mais uma vez.
Fi-lo por ti, por nós. Não aguentava ter de percorrer mais uma vez aquele corredor, iria fazê-lo numa maca a contorcer-me de dores? Ao menos em casa estava à vontade para andar dum lado para o outro, para bater com os pés no chão e gritar se fosse preciso.
Chorei.
Chorei tanto, ao ponto de não ter mais para chorar, apenas o sentimento de que já não moravas em mim, ainda que tivesses a tua luzinha apagada.
Deixei-te ir, com a certeza de que vais morar para sempre no meu coração e na minha mente, de que um dia foste vida em nós e de que deixaste uma sensação de felicidade enorme nas nossas vidas.
A dor de vazio e de perda são grandes, tão grandes que nem o sol as alcança, tão grandes que o nosso mundo é deitado abaixo vezes sem conta, e sempre que tentamos erguê-lo, vem algo do nada que manda abaixo tudo o que foi possível, entretanto, construir.