sábado, 21 de setembro de 2019

Diz que.. Foi tempo de mudança #3

E foi com esta sensação que continuámos, até ao dia 9 de Janeiro, dia da primeira ecografia, em que sabíamos que iríamos ouvir o teu pequeno coraçãozinho e eu podia ver-te mais uma vez!
Quase 40 minutos de espera para te ver, assim que o médico encostou a sonda do ecógrafo disse-nos que tu já não vivias.
Disse que "acontece, para a próxima corre melhor".
Descrever o que senti é extremamente difícil. 
Fisicamente, um calor desesperante começou a subir pelo peito, até atingir a extremidade da cabeça, enquanto ainda estava deitada e o médico terminava o relatório.
De repente deixei de sentir, como se o tempo tivesse parado, eu deixei de ouvir o que se passava à minha volta. Queria desaparecer, não queria ver ninguém. Enquanto se pediam as justificações para o trabalho, eu não estava em mim, o botão de piloto automático esteve pressionado até chegar ao carro.
Já no carro o sentimento de perda começava a chegar, um vazio enorme apoderava-se de nós, a sensação de dormência era inevitável.
Chegou a hora de contar, a quem já sabia que aí vinhas, que afinal já não vens, que afinal ficaste apenas num aquário já sem a tua luzinha.
Como?
Um aborto retido?
Isso existe?
Mas como é que isso pode acontecer?
Como é que o corpo permite que isso aconteça? Por que motivo não houve qualquer sinal? Será que fui eu? Será que comi algo que não devia? Foi do sushi, 3 dias seguidos ainda antes de saber que estavas a caminho? Será que foi de quando estava no ginásio, sem qualquer sinal de uma gravidez?
Por quê? Qual foi o motivo de já não chegares quando eu sentia que tudo ia correr bem e que as nossas vidas iam mudar para melhor?
Por que motivo o organismo assume que a gravidez não parou e tudo continua como antes? Com enjoos, vómitos, fome, desejos de bollycao, dores mamárias?
Por que é que  toda a gente diz "para a próxima"? Por que é que eu não quero pensar na próxima, eu quero-te a ti! Eu não quero que te coloquem de lado só por que para os outros tu não eras nada, para mim e para o pai já eras muito importante! Por que é que não conseguem ver isso? Se lhes morrer a mãe ou o pai ou a avó ou o primo, não faz sentido dizer "para a próxima corre melhor", ou faz?
Seguem-se as idas ao hospital, a cabeça mergulhada num oceano de porquês, de não saber o que se segue, da continuação de todos os sintomas de uma gravidez normal sem qualquer perda de sangue, absolutamente nada fazia prever o que nos aconteceu.
Todas as vezes que tive de me dirigir ao hospital, ter de percorrer aquele corredor que parecia não ter fim, de ter de estar ao lado de quem ia realmente ser mãe, sendo que eu tinha-te em mim já sem vida.
Não me sentia em mim.
Sentia que tudo ia passar e que podiam fazer uma nova ecografia, que afinal vivias e que tinha sido engano.
Mas não.
Já não vinhas.
A minha vida levou um abanão, senti-me à beira de um precipício e que estava prestes a entrar num buraco negro.
Não tinha força psicológica para pensar no que fosse, sempre que ouvia "para a próxima" tinha vontade de espancar essa pessoa e não foram poucas a proferi-lo.
O que ia acontecer a seguir?
(Continua...)



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